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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

interlúdio




sobre a cômoda
descansa um rosário
a sala está fresca
e os mensageiros ondulam
com o vento fraco

peço pouco da vida
não espero quase nada
o cigarro treme
entre os dedos
desaprendi de chorar

não há brilho na caduquice
nem silêncio nas bardanas
o gato com patas para o alto
sabe sorrir dormindo
queria aprender com ele.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

soul-te




nunca deixei ilusões sob o travesseiro
nem sequer meu cheiro quis deixar 
de algum jeito pra jamais lembrar



sei que o melhor habitava 
os lençóis revirados
você entre minhas pernas 
e sua barba por fazer


sempre andei segura
quando via você partir
deixava um sorriso cair
e nem pedia pra você ficar


mesmo agora posso ver
aquele olhar saindo
e vi lágrimas rolando
e eu iria até o fim


um dia vai perceber que me vê 
em tudo que quer esquecer
vai desejar com força 
eu nunca ter existido

e nunca ter me conhecido

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

setembro-me




incontáveis vezes ao ano
e sou capaz de me apaixonar
pelos doze meses
numa mesma palavra prolixa
monótona e com todo signo
desabrocho

poderia fingir uma enxaqueca
e dar-me uma boa noite de sono
despregada da vida
amarrada na sobriedade

mas a bebida pede Baco
e nasci para a entrega
larga e permissiva
sei que amar é ledo engano
mas sou rosa
defeituosa e ínfima
nessa quase perfeição

o vento me invade
quase raivoso
abre pétalas minhas
com pouco jeito
e gemendo de um prazer
quase hediondo
entrego-me à ilusão primaveril

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

monte megido




no vale da decisão
tombo de assalto
meu olho esquerdo
que ignora todos
os filhos do sol

o direito julgo
o grande vencedor
que trará redenção
mas a água não benze
pobre insolente sou

tudo que me é grato
salta do lado errado
e alimenta meu ego
essa satisfação é
sinônimo de felicidade

não sendo isso o Éden
hei de desejar o inferno
e lutar nas linhas
contrárias pelo mal
no monte megido.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

anistia




as alegorias presas na inércia
sucumbem à letargia
tudo é quieto e confortável
quando presume-se cansaço
mas nada retira-se do breviário

é o desmembrar da quietude
sob a sombra da indiferença
é o descanso que desvela
o apodrecer solitário
nessa cela

uma mansidão cativa
que não se deu conta
do extinguir da liberdade

ouso dizer de sua inexistência

quarta-feira, 17 de julho de 2013

nada faz calendários mais breves


nada faz calendários breves
ou queima os anos
como pavio de vela inútil

uma overdose
cheirada sobre
o santo sudário
nos dias, nas horas
de calvário
um pulo, um mergulho
talvez um atalho de terra batida
ao lado da estrada asfaltada

até as bulas de remédio
prometem
o que já não podem cumprir
apaziguar dores
salvar-me da mudez de sentido
da falta de sinônimos
para sofrimentos surdos.


quarta-feira, 19 de junho de 2013

incisivo



Série Arcada

incisivo

I
cortante movimento de prazer
sob ele curvam sólidos
refestelam líquidos
pervertem aborrecidas virgens
em solstícios sexistas

entre lábios e clitóris
confronta a sede dialética
coincide e confunde-se
em exultações e rigidez

conas e bocas são iguais
entre incisivos subvertem
vigoram como armadilhas
e caem em ciladas
misoginias e outros jogos

entregam-se à gula
não têm pudor
vingam-se em emboscadas
de desejos e gana.


quarta-feira, 29 de maio de 2013

imagunariums




é apatia  de pintura abstrata
um Dali e menos que esquizofrenia
retratos de demônios resgatados
disfarçados dentro de hipocondrias

o que mais dói são centelhas
a companhia exata caminhando pelas telhas
as falas abstratas vazando por virtuais janelas
sim, a solidão acompanhada, sempre ela

não chore o dorso que abandonou
as horas já não voltam mais
e somos espaços vazios

entre oceanos e cais.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

flor de tempestade



suas palavras rasgam 
as certezas que trago aqui
retumbam nas vísceras
desagregam meu sentido mais ego

essa lira fragmenta danos
nego meu querer mesmo que 
as premissas teimem
em redundar no âmago 

suas sementes crescem 
feito praga esgueiram-se
nas frestas desavisadas 
enraízam-se causando dor

desses desejos mui tardios
que sussurram, calado ouço 
mas impune à minha súplica
continua a brotar em mim

é como flor de tempestade 
desabrocha gentil
impera bela 
sem se ater ao que me causa.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A febre





“There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a stairway to heaven
When she gets there she knows if the stores are all closed
With a word she can get what she came for” - Led Zeppelin

a febre continua
enforquei todas as Alices em mim
ao som de Alice in Chains
não há País das Maravilhas
enquanto ardo

matei-me várias vezes hoje
pensando em minhas mãos lavadas
nas cadeiras que desocupei
nos silêncios que reverenciei
basta!

cansei-me de ser casta
e conjugar os verbos
no antônimo de minhas vontades

mudei de estação
Led Zeppelin me faz esquecer
que estou morta
suspensa nos cadafalsos
que construí.

quarta-feira, 6 de março de 2013

astigmação


através da janela
vejo as sombras
das pessoas passando
e elas se refletem
em nas paredes descoloradas
sobre meus quadros mofados
sob meus sonhos gentis

através da janela
vi meus olhos embotados
e me senti tão duro
e embrutecido
que mal me tocavam
as luzes brilhantes
dos faróis dos carros

através da janela
vi um astro brilhante
rasgar a escuridão
um cometa vagante e
nômade que não se prendeu
e levou meu sétimo selo

e descobri nos últimos sonhos
verdades com que não posso lutar
é a beleza mais clássica
é a feiura mais abrupta
e tudo sendo expiado
nesses olhos perdidos



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

a outra face



não confie em mim, sou tombo certo
vou mastigar você e jogar fora
e equilibrarei seus sentidos
para poder ir embora
não antes de derrubá-lo

toma-me essa escuridão
que aborda os campos minados
abortando minha face real
fazendo-me desistir
e se queixa de desconhecer-me

é imperativo o desejo
da pele dele me invadindo
sob as minhas unhas
seus esporos misturados
ao meu cheiro

mas para essa sombra que me segue
insiste em me acusar
de ser uma mentirosa incurável
apenas uma imbecil
que vai colocar alguém numa fria

essa voz me envolve
a cada passo dado
a cada promessa vazia
a cada dedo apontado

é a sombra atrás de mim
me dizendo que não deveria
ser como sou, ser quem sou
que não tenho serventia
não devo ter

ensaio azul


não posso fazer chorar
pois não me restabeleço
na dor que causo
mas permita que eu sinta
esse amor

posso confundir o negro
com o escuro azul
esqueci de amar
nunca soube
e por vezes minto
esse amor

posso deitar em seu colo
como em qualquer outro
e jurar ser feliz
e ser real
mas tudo é azul

finais felizes não são feitos
pra gente como nós
mas hoje, por hoje posso pedir
faça me tão sua
que esqueça outras coisas
e me sinta inteira

só por hoje