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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

antes que desçam



para cortar-me
furar-me o fundo
lamacento
e exigirem mais de mim
aviso que não quero
ser explícito
mesmo sendo água
transparente escondo-me
gosto de guardar-me
na escuridão silenciosa
de meu poço
perdido da cronologia
das horas e fodas
tenho meus segredos
mesmo que me sirvam
como chá.

domingo, 28 de outubro de 2012

a plenos pulmões



(para Maiakovski)

entre os livros da prateleira
encontrei meu passado
e consagrações para o além
descobri-me uma tagarela

recordei das falas repressoras de minha mãe
e das palavras de incentivo de meu pai
mal sei dizer se algum estava certo
mas sei dizer das lixeiras

como elas nasci com uma queda
um leve pendor para a sarjeta
becos escuros e fétidos
meias furadas e para a decadência

lembro-me ainda das cuecas samba-canção
penduradas no varal de minha avó
e do primeiro sexo anal
sem sabão

e nem me olhe com essa cara de repressão
gosto de agredir olhos
já que os ouvidos são acostumados
com palavras de baixo calão

e tenha certeza que o jornal é pior
bem pior que minhas palavrinhas imundas
putas e infiéis são rasgadas de orelha a orelha
todos os dias, mas parece que não são humanas

ninguém se importa com os cães sarnentos
ou com as goteiras do domo central
quem há de olhar a propriedade alheia
e se agarrar à ordenha de gravatas?

pintem os cabelos e os olhos de preto
pois os vestidos são frágeis e podem puir
amarrem os tornozelos para que os escravos
permaneçam à vista e cativos

é preciso calar o jovem que se rebela
vejam quão fundo é sua crença
saibam quão lúcida sua vidraça
se nada der certo cortem sua goela

não peço que bajulem os críticos
ou que cortem suas unhas antes
da ceia de Natal
mas peço que calem sua boca

e iremos felizes suportar o luto
do escritor vagabundo que ousou
e vistam-no de branco para ressaltar
o que não foi dito

ontem fui até o velho casarão
o mesmo onde passei minha infância
e nada lá era como antes
nada lá era mais meu.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

insônia


espelhos matinais acusam
os tristes olhos que herdei
de meu pai
que estão arregalados
e vesgos perdidos de ódio e medo
inquirem pecados capitais


acompanham o raciocínio dos cigarros
que despertam cada vez mais cedo
esquecem das transições
do fogo para cinzas
da fumaça à imensidão
em segredo varam noites
madrugadas tão iguais


repare que a sentença é acordar
acordar e acordar
repetidas e repetidas vezes
revirar na cama
e me contentar com o que
me enfiam goela abaixo
e cu acima

afronta


um sorriso de banguelas
atrativos de norteios sem norte
dar ombros para ressaca
encarar a garrafa
sabendo o que lhe traz

amar? mais fácil saber da vertigem
isso de pés cambaleantes
tropeço em nuvem
em meio a dor das pedras
inapto para tanto e fugaz para tal

um descanso oprimido
entre os seios da mulher justa
o mistério da dependência cativa
é que assusta saber-me
frágil afronta

amar? mais fácil saber da náusea
isso que cai aos pés
do que vem à boca amargo
a simetria do vômito
inapto para tanto e fugaz para tal

um gorjeio de ogivas
missivas de hálitos e salivas
intempérie do trago
rasgar de gargantas

amar? mais fácil saber quem não
isso de pés à beira
precipício nostálgico
em meio a nevralgia de confessar
inapto para tanto e fugaz para tal

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

caixa de skinner

as manhãs são compartimentos 
hermeticamente fechados
onde não conseguirei o que quero
carrego uma subjetiva ogiva
em meu estômago que explode 
nos discursos que vomito
em ouvidos surdos

quem há de me ouvir no front
se todos os símios em linhas
ignoram o verbo fundo
e o sistema está entregue
a quem desistiu de revoluções
feliz de Che assassinado antes

e não há um click mágico
para tirar do transe
abrir os olhos
ou desfazer o silêncio

a inutilidade da palavra reforça
a frivolidade do verbo
quis que por detrás
de alguma porta
existisse a parte que nos falta
se é que nos falta algo

somos apenas reféns do excesso
autarquia da inércia
pregando a sanidade
e fotografias austeras e sorridentes
nas paredes da sala de estar

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

foi doce estação


perdi-me nesse silêncio
imposto em entremeios
sem tom ou ritmo
agora me vejo só
o que me deu, afinal?



insisti demais sem ter com que
e a terra permanece seca
passou por meus recantos
ousei me mostrar, em vão
e tudo é tão só e frio

onde antes campos de papoulas
as lembranças do que nem foi
quis além dos ventos
além do quinhão 
ou de meu merecer

e calo tardia em desistência.


segunda-feira, 14 de maio de 2012

envide

há um olho num cômodo escuro

no fundo do poço esperando

o infinito

cada tijolo daquele buraco

delataria a vista turva

do globo aberto

cada grão de areia rejunta

o cenário úmido e inerte

há um olho cego

esperando chaves

para portas que não existem

quantas cordas ainda?

quantas cordas?

terça-feira, 1 de maio de 2012

idiomas

se é palavra abrupta
em celeumas calo
se desagrada-me o que escuto
de certa forma são estrangeiras
nos ouvidos tenho escudos
e certos sotaques me acalmam

mas se a língua é gentil
e até invasiva
se em silêncio convencer
meus orifícios
entrego-me ao vício
de sentir apenas meu umbigo

sábado, 14 de abril de 2012

a folha

vê como é livre a folha

que vai e vem

sem se prender

sem temer a voar

é a música do perder

e vai e desaparece

rodopia e reaparece

como uma contradança

entra em parafuso

e some e se vê

sabe bem dos sussurros

que o ar dá ao lhe levar

e a tola roda, roda

olhe a folha cansada

que se entrega a sorrir

sem se preocupar

com o que é

oh, pobre folha

que se atreve a voar

com a força do vento

e se contamina com

essa onda quente do vento

e está tão entregue

que já nem é

quinta-feira, 15 de março de 2012

le fabuleux
























possuo uma anomalia

em meu coração

ele não esquece nada

e traz tudo que vivi

o olhar ainda é assustado

o inocente garoto

de lábios trêmulos

no nosso primeiro beijo

uma oração com dedicatória:

"ao nosso jovem e amado filho"

a minha dedicatória só está aqui

e redunda em silêncio e não foi:

"Marco Fernando saudades sempre"

hoje virei a velha caixa

de preciosidades do passado

e entre elas seu rosto jovem

uma fotografia antiga

de sua missa de sétimo dia.

quarta-feira, 14 de março de 2012

ruínas


destruíram o belo

e ainda sobraram escombros

é o tempo de repouso

para os exaustos por tentar

desse silêncio que fere e isola

trago imagens de tentativas

sólidas e venenosas

há um canto escuro

onde a luz não toca

mas os olhos enxergam

com uma exatidão doente

terça-feira, 6 de março de 2012

artificial






















já não suporto essa natureza frágil
que me inspira amores eunucos
e perfumes presos a lendas

tentei por anos retirar a bonequinha
loura e perfeita que me impuseram
velei e enterrei todas em meu quintal

e de certa forma elas voltam mortas
para atacar essas pequenas verdades
quem dera a beleza não valesse nada

tentei ser Monalisa de sorriso mestiço
sem adornos nos olhos, sem vaidades
seguem-me peitos sal e risos postiços.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

anelo


























como se fosse
algo inteiro
quase abocanha
o vazio
isso me assusta
não pretendo blefar
e ser injusta
mas sua boca amarga
traz a essência
do baldio
não me é dezembro
soa-me mais
como fevereiro

domingo, 1 de janeiro de 2012

sol de janeiro e ano inteiro


























no acalanto de sua chegada
descobriu-me mulher
giro em sua órbita
provoca em mim estações
e desconhece-me esfera

causou-me amanheceres meridianos
as belas horas brilharam aqui
vogaram tanto e como que declinaram
no desespero de seu poente
ah, meu amor, minhas dúvidas!

seus lábios queimaram os meus
fizeram juras que não podem cumprir
não sou júpiter ou urano
nem sou saturno e em segredo
trago seu anel no polegar esquerdo

meus olhos devotei aos dias
que choram durante a noite
é madrugada agora
sinto a frieza da solidão
um medo tão meu

obedeço a ordem que impôs
apertam-me suas margens
privam-me do seu calor
tento esquecer o que foi
todas as manhãs.