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sábado, 25 de junho de 2011

indubitável


























aprendi que ventos do norte
não movem moinhos
mas não tenho moinhos
tenho lacerações profundas
que nenhuma brisa explicaria

suas palavras já não me convencem
mas seu corpo me conta
o que quero ouvir
mesmo que fútil, mesmo que inútil
é meu

está em minha vida
como quem roda as pás
daquele mesmo monstro
que Quixote cantou

meus pés são seus
minhas raízes já não importam
os olhos são do ar insípido, inodoro
como sua retórica desconexa

e a única certeza que carrego
é que por onde for
independente de companhias
permanece meu.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

inútil




















esse mito outrora rouco explode
colide com a terra vermelha do planalto central
agoniza depois de grave acidente e
jaz encolhido, torto numa cidade satélite

vejo que meu grito foi um eco que o tempo
dispersou e levou para longe de mim
para longe de todos os ouvidos inertes
e que minha retórica minguou, falhou feio

ah, essa rebeldia de mil faces calou aqui
já não lateja impune como antes e ignora
que a estrada é tão longa
que o tempo é tão pouco

percebo que as falas mais agudas silenciaram
recolhidas e reféns de gavetas esquecidas
ou dispersas em livros com páginas amareladas
na frieza de bibliotecas públicas ou particulares

domingo, 19 de junho de 2011

estranho



























nasci para as margens esquerdas
e espero pouco ou quase nada
por conhecer da efemeridade
mas meus pulmões são do vento
e de todo ar que posso prender
num só fôlego

queria poder dizer ao homem que amo
que o desconheço
que não passa de um estranho
um andarilho disperso
entre meus lábios úmidos

queria dizer que não sei tocar essências
e não sou dada à superfícies planas
que sei ir fundo, bem fundo
que mergulho de olhos abertos
e narinas fechadas

ele me possui como santa-ceia
divide-me entre os seus
ali onde sou pão e vinho
em oferenda divina
andor de madeira
com um santo de barro

sexta-feira, 17 de junho de 2011

eunuco



























cerzi a blusa com listras de sonhos perfeitos
bordando nelas o rouco de sua fala
depois do porre
e não me pergunte porque
mas acho que tons carmesins
não combinam com celeste

vejo agora o quanto se vestia mal
e como se jogou no asfalto
feito velhas virgens nada mudas
condenadas à uma sordidez desnuda
por serem tão beatas e não se permitirem doar

costurei o bolso de sua calça jeans
com o esgarço que trazia nos olhos
e arrematei com essa boca que muito dizia
que ria de tudo e calava para mim

enfim se vestiu em almas vazias
quase suas gêmeas
para estender para si a sua própria mão
e fez-se marionete de si para rir das desgraças
e ainda conseguiu escovar os dentes
se olhar no espelho sem chorar

fêmeas as palavras órfãs quebraram
e cobriram-me de riso, carne e vento
do poeta morto

(para meu amigo Wile Ortros)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

crime culposo


























de almas velhas somos feitos
com defeitos costurados
velhas mantas de retalhos
tantos fios tão esgarçados

nada mais que a ilusão da carne
de milênios de procura
antes de sofrer pela ferida
somos atingidos pela culpa

desculpa amor, pela noite mal dormida
pelo frio da graça puída
e remendada pelos cantos
é que não sou perfeita
e ainda dou-me a errar

espero que as janelas entreabertas
e o culto do porvir traga perdão
e antes de nos fazer chorar
ainda que nos faça sorrir


(resposta para o poema: http://wileortros.blogspot.com/2011/06/alma-criminosa.html)