Pesquisar este blog

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

a seita dos fracos


a seita dos fracos
para as lágrimas não existe
humores  ou temperamentos
jamais diga: “não temereis”
eu temo,  sou fraca
só se entende da dor
se permite a dor
e mesmo que não permita
que sinta, sente

não tente

o privilégio é saber-se
apaixonada e abandonada
amar é para fanáticos
e é tão lindo ser fraco

sábado, 17 de janeiro de 2015

amor


sim
palavra que dói
utopia das utopias
quando me lê
deveria gravar
te ouço Melamed falando
poesia

"amor"
palavra gasta
sem vincos
sem orelhas
traspassada
quase uma piada
truncada
que poucos riem

é a pedra-mor
esmaga
espatifa o grão
mas faz trigo
ser farinha

pro pão

a estrela e a esfinge


destrua o passado que me fez como sou
e mesmo em cacos e extirpada refletirei fria
nos seus olhos vazios de pedra, cimento e cal

pensa na imperfeição dos subjetivos pretéritos
e conjura-me intento além da razão perfeita
de seus enigmas vesgos de re-composição

na temperança vago quase branda
no meu corpo celeste extingo-me
e meus fragmentos envio como chuva

e banharei sua face e essa maldita babilônia
que tem por deserto, seu chão, seu limite
que minhas memórias sejam só espólios

fuja ao me ver derramada
dos monstros que criei e rememoro
pois só do pó ao pó estar sem ousadia

há séculos busco a musa manca
aquela que os olhos renegam por culpa
e que a farsa regurgita por já tê-la de cor


a letra A



agora é uma luz pálida
agora não tenho olhares gentis
essas mãos frias, inertes
trazem um corpo estrangeiro
é o século do silêncio

e os olhos novos mal vêem
onde estará meu pai?
onde estará minha mãe?
onde habitarão meus irmãos?

os carros não param
seus faróis acesos
a marcha acelerada
em vis sem semáforos
levam apressados para casa
e a minha está vazia

não há calor na noite
nem lembranças de acalanto
chove, só chove
e os canaviais bailam
é o túmulo de meu pai
é o abandono de minha mãe

agora é uma luz pálida
agora não tenho olhares gentis
e essas mãos frias, inertes
desistiram das palavras

é o segundo do meu silêncio

entre os dedos


não é possível saber do amanhã
como é  impossível amar
apenas quem nos quer bem
e sempre fazer escolhas certas

quem é inocente o bastante
para desperdiçar tempo
permitir que a vida vá
e permanecer com as mãos abertas
para que o vento leve tudo que tem?

a imperfeição é inerente
ao ser humano
e todos vendem suas verdades
por um preço aprazível
uma hora ou outra

confesse-me em sussurros
e sem embargar a voz
se algo seria diferente
se soltaria quem deseja
olhando partir impunemente

quando acordar olhe-se no espelho
considere o agora e todos os dias
o último dia de Urano
e restará apenas conservar

o que é essencial

domingo, 16 de fevereiro de 2014

voláteis


"no movimento perpétuo da matéria, a constatação de que somos mutantes" -Celso Mendes 

voláteis

por onde seguir trilhas as cegas?
meus pés na areia movediça
sentem-se acolhidos
como que sem medo do porvir

há tanto movimento falso
tanto absurdo real
que em meio ao perigo
sentem-se vivos

é o movimento circular
e irreversível
que joga o corpo todo
contra muros de concreto

mesmo que não saibam o motivo
destroem e se reconstroem
fluidos, sem medo
descoordenadamente

olha, olha bem fundo que no meio
do desconhecido se reconhecerá
tal qual quem ama por ver-se iluminado
dentro da retina de outrem

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

motim



tenho predileção por pés, mãos e orelhas
não que sejam essenciais ao romance
mas espero que um dia
possa retocar o ângulo perfeito
que já alcançamos na fuga

que os caminhos sejam menos tortuosos
que essas manhãs nubladas de verões extensos
e meus versos frágeis
não derretam diante dos calos de seus dedos
é que trabalha demais

tive preferência pelos vagabundos iluminados
mas eles só atraem meus olhos
enquanto a gana pede
a força de sua boca e verbo
me sugando a fala e os lábios

tenho adoração pelo silêncio
e se faz necessário em horas distantes
mas peço encarecida
que não me entregue a ele
enquanto habitar minhas medidas

não sou de histórias longas
mas preciso delas
e quando cansados, vazios
lembre-se que na maioria das vezes estamos

e não se esqueça  que tenho predileção
por pés, mãos e orelhas, pelo ângulo perfeito
da hecatombe vetorial que une nossos sexos
e que  as orelhas pedem mesmo
é sua fala rouca e embrulhada
passeando entre os pelos
de minha buceta

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

interlúdio




sobre a cômoda
descansa um rosário
a sala está fresca
e os mensageiros ondulam
com o vento fraco

peço pouco da vida
não espero quase nada
o cigarro treme
entre os dedos
desaprendi de chorar

não há brilho na caduquice
nem silêncio nas bardanas
o gato com patas para o alto
sabe sorrir dormindo
queria aprender com ele.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

soul-te




nunca deixei ilusões sob o travesseiro
nem sequer meu cheiro quis deixar 
de algum jeito pra jamais lembrar



sei que o melhor habitava 
os lençóis revirados
você entre minhas pernas 
e sua barba por fazer


sempre andei segura
quando via você partir
deixava um sorriso cair
e nem pedia pra você ficar


mesmo agora posso ver
aquele olhar saindo
e vi lágrimas rolando
e eu iria até o fim


um dia vai perceber que me vê 
em tudo que quer esquecer
vai desejar com força 
eu nunca ter existido

e nunca ter me conhecido

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

setembro-me




incontáveis vezes ao ano
e sou capaz de me apaixonar
pelos doze meses
numa mesma palavra prolixa
monótona e com todo signo
desabrocho

poderia fingir uma enxaqueca
e dar-me uma boa noite de sono
despregada da vida
amarrada na sobriedade

mas a bebida pede Baco
e nasci para a entrega
larga e permissiva
sei que amar é ledo engano
mas sou rosa
defeituosa e ínfima
nessa quase perfeição

o vento me invade
quase raivoso
abre pétalas minhas
com pouco jeito
e gemendo de um prazer
quase hediondo
entrego-me à ilusão primaveril

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

monte megido




no vale da decisão
tombo de assalto
meu olho esquerdo
que ignora todos
os filhos do sol

o direito julgo
o grande vencedor
que trará redenção
mas a água não benze
pobre insolente sou

tudo que me é grato
salta do lado errado
e alimenta meu ego
essa satisfação é
sinônimo de felicidade

não sendo isso o Éden
hei de desejar o inferno
e lutar nas linhas
contrárias pelo mal
no monte megido.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

anistia




as alegorias presas na inércia
sucumbem à letargia
tudo é quieto e confortável
quando presume-se cansaço
mas nada retira-se do breviário

é o desmembrar da quietude
sob a sombra da indiferença
é o descanso que desvela
o apodrecer solitário
nessa cela

uma mansidão cativa
que não se deu conta
do extinguir da liberdade

ouso dizer de sua inexistência