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domingo, 28 de outubro de 2012

a plenos pulmões



(para Maiakovski)

entre os livros da prateleira
encontrei meu passado
e consagrações para o além
descobri-me uma tagarela

recordei das falas repressoras de minha mãe
e das palavras de incentivo de meu pai
mal sei dizer se algum estava certo
mas sei dizer das lixeiras

como elas nasci com uma queda
um leve pendor para a sarjeta
becos escuros e fétidos
meias furadas e para a decadência

lembro-me ainda das cuecas samba-canção
penduradas no varal de minha avó
e do primeiro sexo anal
sem sabão

e nem me olhe com essa cara de repressão
gosto de agredir olhos
já que os ouvidos são acostumados
com palavras de baixo calão

e tenha certeza que o jornal é pior
bem pior que minhas palavrinhas imundas
putas e infiéis são rasgadas de orelha a orelha
todos os dias, mas parece que não são humanas

ninguém se importa com os cães sarnentos
ou com as goteiras do domo central
quem há de olhar a propriedade alheia
e se agarrar à ordenha de gravatas?

pintem os cabelos e os olhos de preto
pois os vestidos são frágeis e podem puir
amarrem os tornozelos para que os escravos
permaneçam à vista e cativos

é preciso calar o jovem que se rebela
vejam quão fundo é sua crença
saibam quão lúcida sua vidraça
se nada der certo cortem sua goela

não peço que bajulem os críticos
ou que cortem suas unhas antes
da ceia de Natal
mas peço que calem sua boca

e iremos felizes suportar o luto
do escritor vagabundo que ousou
e vistam-no de branco para ressaltar
o que não foi dito

ontem fui até o velho casarão
o mesmo onde passei minha infância
e nada lá era como antes
nada lá era mais meu.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

insônia


espelhos matinais acusam
os tristes olhos que herdei
de meu pai
que estão arregalados
e vesgos perdidos de ódio e medo
inquirem pecados capitais


acompanham o raciocínio dos cigarros
que despertam cada vez mais cedo
esquecem das transições
do fogo para cinzas
da fumaça à imensidão
em segredo varam noites
madrugadas tão iguais


repare que a sentença é acordar
acordar e acordar
repetidas e repetidas vezes
revirar na cama
e me contentar com o que
me enfiam goela abaixo
e cu acima

afronta


um sorriso de banguelas
atrativos de norteios sem norte
dar ombros para ressaca
encarar a garrafa
sabendo o que lhe traz

amar? mais fácil saber da vertigem
isso de pés cambaleantes
tropeço em nuvem
em meio a dor das pedras
inapto para tanto e fugaz para tal

um descanso oprimido
entre os seios da mulher justa
o mistério da dependência cativa
é que assusta saber-me
frágil afronta

amar? mais fácil saber da náusea
isso que cai aos pés
do que vem à boca amargo
a simetria do vômito
inapto para tanto e fugaz para tal

um gorjeio de ogivas
missivas de hálitos e salivas
intempérie do trago
rasgar de gargantas

amar? mais fácil saber quem não
isso de pés à beira
precipício nostálgico
em meio a nevralgia de confessar
inapto para tanto e fugaz para tal

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

caixa de skinner

as manhãs são compartimentos 
hermeticamente fechados
onde não conseguirei o que quero
carrego uma subjetiva ogiva
em meu estômago que explode 
nos discursos que vomito
em ouvidos surdos

quem há de me ouvir no front
se todos os símios em linhas
ignoram o verbo fundo
e o sistema está entregue
a quem desistiu de revoluções
feliz de Che assassinado antes

e não há um click mágico
para tirar do transe
abrir os olhos
ou desfazer o silêncio

a inutilidade da palavra reforça
a frivolidade do verbo
quis que por detrás
de alguma porta
existisse a parte que nos falta
se é que nos falta algo

somos apenas reféns do excesso
autarquia da inércia
pregando a sanidade
e fotografias austeras e sorridentes
nas paredes da sala de estar