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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

sei de meus calos



















mesmo na revolta da chuva
ela quem faz barulho
sufoco-me em silêncio
em minha solidão adulta
no crime da conveniência
sou boneco de ventríloquo


enterrei os corpos
de minhas bonecas infantis
e virei cada uma delas
sem sentimento,
sem fala,
usada e esquecida
sob sete palmos de chão.

domingo, 30 de outubro de 2011

escarlate



enquanto todos os sonhos
se vão com o vento seco
e com as folhas avermelhadas
que parecem rir de bobagens
arrastadas junto com o pó

ela está ali convicta
imaginando que nada poderá
tirar a luxúria de seus olhos
que miram a vastidão horizontal
de um tempo tão ido, tão ido

pobre princesa rubra
assiste passiva sua imagem
espelhada em mil faces falsas
que gargalham entre si
e ela jura que é amor

queria voltar à inocência
que havia antes do vento
arrancar-me as folhas
antes das tempestades
levarem galhos e âmbar

rica princesa rubra
assiste passiva sua imagem
espelhada em mil faces de si
e gargalha entre imagens
e ela sabe que é amor.




(chica de la fotografia: Constanza Ofelia Rodriguez)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

"Bonjour Tristesse"


























sábado deveria acordar
no mínimo Jean Seberg
ou Scarlett Johansson
e me diz: bom dia, princesa!

isso é pela devoção
a um inveterado sem cura
o belo me corrompe
sou artista, poeta

guarda seus melhores beijos
em gargalos de garrafa qualquer
que nelas reinvento
e enquanto renasce, eu morro

não há encantamento
sem mácula
ou sentimento
que não castre

calendários anacrônicos
ditam-nos sentenças puras
de não ser, sendo
viver morrendo

desce mais um
bom dia, Tristeza!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

pinga




























"Só se pode encher um vaso até a borda. Nem uma gota a mais." Caio Fernando Abreu


há um som na espera
os ponteiros marcham distantes
e os homens mal sabem do silêncio
dos jantares em família

almeja-se o calar sem culpa
a solidão perfeita
onde não se perde de si
e se encontre em egoísmo torpe

a torneira da pia pinga sobre um copo
dá o contraponto do que se passa aqui
o território traz divisa transparente e frágil
não suporta mais do que lhe cabe.


fotografia de Anderson Costa

substantivo abstrato

















é quase primavera
e dela não há nada aqui
sangra desse outono
ainda seco que dilacera
que encerra um ciclo
de sofrimento e quer inexistir

feito palavras vazias
e retórica falha
a terra insiste no despeito
que brota inerte, folha velha
que pelo vento se deixa levar

e o cheiro da podridão toma as narinas
não é exemplar animal ou vegetal
não é jangada, nem flor de macieira
nem tão pouco sol alto
ou derrame de lobeira

mal se sabe se é.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

monções

não há argumentos neste lugar
só olhos vesgos de um mentir torto
tão verdadeiro quanto notas de seis
pois as de dois já existem

não peço nada além de sua presença
e nem assim se sente satisfeito
com o desprendimento grevista
sem platéias ou discurso inflamado

vermelhos, não de dor e sim de torpor
os lábios riem e mangam de repique
o piquete de elogios vazios
e críticas destrutivas

acusa-me: "mentirosa, mentirosa"
como se ser falsário e ludibriador
fosse mérito apenas dos impuros
e cruéis de plantão

nunca tive medo das palavras atravessadas
cheias de desprezo e de escárnio
pois quem desdenha em algum momento
quer apenas adquirir algo com preço de lambuja

essa liberdade sonora que prega
é tão tênue quanto fumaça no vento
e saiba que nada se perdeu
é a velha lei da relatividade
ou talvez a farpa no olho do outro

estamos sempre presos a algo que desgostamos
ou que no mínimo não nos orgulhamos muito
e a maioria dos castelos são de areia
que a onda da realidade teima em derrubar

para quem não gosta de clichês
a vida ensina que poucos saem deles
e perdi a conta de quantas rimas pobres
habitam meus poemas de baixa qualidade
e não paro mais pra contar

já não me interessa quem é
ou de quanto espaço precisa
não temo estrelas ou buracos negros
como digo as coisas acabam sem deixar de ser

e mais uma vez me olha nos olhos
simulando uma quase verdade
como se já não conhecesse a marcha
aquela de arranque que precede a fuga

tantas vezes já vi outros aqui
fazendo o mesmo que faz agora
não sabe pedir ou implorar
mas se dá à demagogia verborrágica
do confronto sem causa

desaprendi de esperar
mas nada mais há além do tempo
e ele passa rápido demais
para que eu fique só olhando.

o que importa?

se me trará um aperto de mão
um sorriso amigo que já não quero
e não direi mais nada para ouvir
o eco de seu nome pelas cidades sitiadas

percebe o fato de ser um homem
que mal se encara de frente?
percebe o sufoco de ser um homem
que luta enquanto todo o resto sangra?

por minha palavra é livre
poderia rasgar-me mas vejo
sua imagem cada vez que chove
e seus olhos são nuvens
e só me resta a chuva e essa saudade

se existe a fábula certa
recheada de sonhos irreais
da felicidade perfeita
agora é a poeira do Planalto Central
e logo será a chuva que não para

por seis meses...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

arauto


























navegaria
através de tempestades
se não fosse tão incrédula
e presa a esse tempo

se o fizesse
por ti, meu amado
minha nau não
teria porto algum

o oceano me levaria
a vastas latitudes
e me esqueceria
das longitudes

sem bússola me perderia
na imensidão do caos
e a arrebentação
me enganaria

as âncoras
seriam içadas
só no fim

náufragas as palavras
só fariam par
com as pedras
e algas no fundo
do mar

ali sim,
o mais belo silêncio
e o vazio igual a espera
desse momento
nós.

sábado, 17 de setembro de 2011

dogmas




















o fantasma que mais amo
não arrasta correntes
sobre meus telhados
não caminha sobre cinzas
ou berra em maldições


me faz sorrir e chorar
faz brilhar essas cicatrizes
e pergunta: por quem morreu?
por quem foi sua luta?
pra que se arrepender?


ele vive a fugir do sol
vai embora quando amanhece
não mente, nem engana
sangra por fantasias
e sonha que sabe do amor.



(fotografia de meu amigo Otaviano Neves)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

a sintaxe da realidade

























mal as coisas se pronunciam
e já declinam sobre o real
deixam de ser
tento em vão perpetrar
mas é o fim que propago
é o fim

meus sentidos pedem a inércia
me enganam e morro pelo inimigo
o mais próximo que se diz amigo
que só me fere por ter entrado
pela porta da frente que eu abri

toma-me sem pedir o que a princípio
deveria ser apenas meu
e por fim aniquila-me sem morte
seja lenta ou honrosa
e as palavras se calam

todas

vi que mal preciso das palavras
antes muda e cega
para não interagir com esse mundo cão
se acho favo é mais que amargo
o diáfano da leveza pálida e viscosa
é mesmo o silêncio.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

ruído

























é vermelho o prurido desfalecido
que insiste em minha porta

sim, escarlate como o enfarte
de outubro do ano passado

e as artérias azuis repletas de rancor
carregam o rubro assim como as veias

sim, encarnado como sangue
carmim é a cretina palavra

sim, o despeito tem cor
e insiste nesse leito

o choro desemboca no travesseiro
e tem sufocada a vontade de som

desespero e silêncio
são meu nome e sobrenome.

domingo, 4 de setembro de 2011

poderia mentir



















dizer que estarei aqui
esperando por você
que aceito sua inconstância
e que distâncias não apartam-nos
dia após dia

poderia compactuar com sua posição
dizendo que sou forte e resisto
confirmar minha capacidade de superar
de recuperar nas adversidades
noite após noite

nesses tempos aprendi
a chorar com desespero
a não me disfarçar mais em embustes
e mesmo no desvario ser real
eu após eu

saiba, meu amor, que só
o sol é assim resiliente
nasce além de sua vontade
e vem absoluto e insistente
imune a suas verdades

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

silencio o ontem

























o corpo pede exílio
e a garganta horizontal
já não quer arranhar
e nem se converter


quem sabe assim os garrotes
corrompam o torque cervical
de maneira eficiente
e o silêncio flutue
paralisante e tétrico


um certo cansaço toma conta
de meus atos asfixiados
talvez eu me esconda nas falhas
que cometi no passado


ou me guarde eterna
em mim mesma
de modo gradual e doloroso
para silenciar o ontem aqui


quem sabe...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

venha pelas minhas botas



























estou tão perdida
ao despertar
caminha pelo veto
me cansei de esperas
e do morno grito
quando algo se desfaz

as flechas inimigas
só fazem derrubar
o que não tenho
e acreditam me atingir
se a faca das nuvens não afeta
possuídos impunes
quem sou eu para me rebelar?

venha pelo vivenciar cúmulos
pelo praguejar de deuses
não encontro textura dos beijos
nas desistências colecionadas
entre as meias finas furadas
e sem aspas o desespero inexiste

vê que estou aqui a salvo
mesmo que as harpas
toquem sinais de morte
isso é placebo para o veneno
rendez-vous para desavisados
festa aberta para doidivanas

é tanto e pouco na tortura
que no encolher do verso
a nervura reclama aflita
amai o tóxico como a ti
mesmo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

pernoitou-me tua fala

























além de mil sóis isolados
meados por madrugadas febris
raiou-me teu querer
por míseros segundos sei que nos amamos

feito presente de segunda-feira
feito véspera de feriado
em desespero e culpa
vidrados na falsa compreensão

e enquanto houve amor
tencionamos e queimamos
e no encolher do músculo
a ausência de ebulição

além das noites insones e ilusórias
que hoje jazem frias
implodiu-nos a realidade
seguimos sós

pernoitou-me tua fala

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

nada mais

























sempre vivi infernos
mas minha dor só sangra em mim
e nada é eterno que não o desterro
nem mesmo o fim

e para contrariar digo que nem é tão raro
se agarrar a pesadelos isso sim é ato falho
querer a dor alheia e se perder no desespero

perdi a conta do número de vezes
que me vi só e não morri
que me vi perdida no caminho certo
que dei a mão ao inimigo

mas cada um sabe de si
da fuga imediata para sua dor
de seus deslizes e seus despistes
e dos limites de seu rancor

e enquanto queima a chama
fui eu que disse
só eu quem disse
me chama

e ainda sussurra que me precisa
que vamos além e que me preserva
mas antes de sair quase avisa
que o sofrer é a minha reserva

poderia contradizer e afirmar que é só um desvario
não me sacia nenhum paraíso se não está comigo
já busquei tantos atalhos, estradas fáceis e fatais
hoje só desejo o silêncio, o sossego e nada mais
e mesmo se houvesse a resposta
eu me calo pois

sempre tive infernos
e essa dor só sangra em mim
e nada é interno que não inferno
que não a dor, que não o fim

terça-feira, 23 de agosto de 2011

álbum de fotografias
























quanta sorte sonhar quando se é verde
não gosto de falar de minha infância
não há atos nobres nessa época
o que tenho certeza é que queria
crescer logo e me livrar da caolhice
do manco de pés tortos
da aparência desengonçada
e da opressão dos adultos

mal sabia eu que a miopia aumentaria
que os pés continuariam tortos
que a aparência piora com a idade

mal sabia que a opressão maior
é a da realidade e não dos velhos
mal sabia que ser cuidada e oprimida
é mais acolhedor que ser ignorada
ou ser preterida

não me recordo de tempos para sonhar
havia um medo velado em meus olhos miúdos
e um silêncio imposto
naquela casa sempre cheia de visitas importantes
era proibido correr
dizer palavrões ou se manifestar

ali criança não tinha vez
pular o muro e viver uma alegria clandestina
rendeu-me ora a cinta ora a palmatória
quem dera ter tido a glória
de saborear da liberdade

luxo seria ser uma criança
numa casa de velhos burgueses
não me recordo de um momento
de êxtase livre de culpa
ou de uma satisfação
não fadada à mentira

sou fruto do que fui
no fundo ainda sou
aquela criança.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

estátua de sal




























a imagem endurecida
mal chora trancada em si
na esperança de se achar

[calo]
trago aqui
cada palavra
cada respiração
cada som
toda a sensação
rubra, rubra, rubra

[vem]

e que minha retina
te cubra ainda dilatada
e que seus poros
jamais se esqueçam

[garoe]

que teu sorriso
me é bastante
enquanto molha
meu corpo


[vê]

que não há limites
entre o que é nosso
que a loucura é sã
enquanto unos

[sente?]

domingo, 21 de agosto de 2011

velho centro-oeste


sigamos até onde o sol dobra
e o vento não tem tramela
levemos problemas sem solução
arrastados pelos pés e escalpelados
como velhos detidos de guerra
mas iremos juntos sem olhar pra trás
pois o trote é forte e a cabeça fraca
e se os cavalos pedirem água saiba
morrerão de sede, baby
o deserto do planalto-central
não perdoa, não perdoa.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Carta para Ortros



















quis o destino dar-te duas cabeças e um só coração
ao fazer isso te fadou a procurar amores racionais
em qualquer balança se equilibrariam teu amor e tua razão
seria perfeito se isso não fosse tão doloroso

ser um cão bicéfalo, com rabo de serpente
e aparência estranha sempre em alerta
pronto para atacar com tuas verdades
não te salvou de si mesmo, nem de seus sentimentos

nada conseguiu evitar que trouxesse tuas verdades
como mantos de proteção e pureza
como estandarte e brasão de guerreiros
que são avaliados pela honra de espírito e força de luta

de onde venho tuas verdades valem muito pouco
no máximo comprariam vários inimigos
e contas de olhos malfeitores e línguas maledicentes
nasci no meio de invencionices crônicas
numa terra onde só vale a mentira
e as representações grotescas da verdade
nada fácil de equilibrar

olho para teu irmão, Cérbero, o cão de três faces,
aquele com três pares de olhos e orelhas
e com três mordeduras à mostra, prontas para destroçar
qualquer coisa que venha contra suas regras
só aquele cão que guardava Hades
estava pronto para o mundo

e ali, em Eritéia, bem longe dos portões do inferno
fora domado e domesticado por Gerião
um agricultor que te fez pacífico vigia de rebanhos

Hércules, em seu décimo trabalho, ao golpear-te mortalmente
mal supunha quão grande e sensível era seu coração
se o soubesse, não ousaria destroçar o brilho de tua pulsante alma
que ascendeu aos céus como Sírius a contar histórias

a mais bela e brilhante estrela do céu noturno

e ao descobrir-te tão intenso e verdadeiro
naquele céu onde cometas se travestiam de estrelas
onde corpos celestes embusteiros se jogavam
desaprendi a dividir olhares e choro

naquela noite descobri quão pobre seria meu destino
uma pobre Sherazade a contar histórias sem fim
numa dessas mil e uma noites.



(resposta para Carta para Úrano, de Wile Ortros:
http://wileortros.blogspot.com/2011/08/carta-para-urano.html )

terça-feira, 16 de agosto de 2011

like loves do



















"So baby talk to me
Like lovers do
Walk with me
Like lovers do
Talk to me
Like lovers do" - Annie Lennox

acredite em minhas palavras
elas fervem como óleo quente
queimam como labaredas acesas
e esperam apenas um gesto seu

e não seja sazonal
não me deixe esfriar em invernos
e não me aqueça apenas no verão
quero que fale comigo sempre
como se me possuísse eterna.

água viva















seus olhos tomaram-me tudo
minha dignidade
minha identidade
essa sensação de proteção
as sazonalidades

suas palavras levantaram
meu vestido
devassaram minhas anáguas
não deixaram nada
para queimar

suas mãos levaram tudo
as cores do mundo
o lirismo da poesia
e reduziram-me
do pó ao pó

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Dominus Saturnus"




















já não importa quão frias
tenham sido essas últimas noites
nem o quanto aprendi estando
ao seu lado ouvindo suas histórias
presenciei a mais bela chuva
nos céus de ontem, sozinha
esperando apenas o brilho de Sírius
que não veio
aqui a terra está fecunda sob um céu calado
que caprichosamente só brilha
como os olhos de quem ama
quem se importa se esse céu está iludido
e se as estrelas brilham sem explicação
vãs, presas num absurdo vácuo e choram?

não nasci com aura de deusa grega
e muito menos como ser mitológico
dos grandes que nascem para ser Deuses
não sou “semi” nada, sou humana,
quero, quedo e castro
e só assim sei amar
não desejo ter posse de estrelas
elas são frias e estão tão longe
sou grata por seu brilho deitar sobre meu ventre
e me fazer mulher, mãe e muda

sim, sou a poeira vermelha do Planalto Central
essa que se revolta com o vento e volta
para si para dar nova vida, cara semente
sou pó de estrelas, foice e dor
e já não vivo de sonhos
faz tempo que não durmo
despertei há anos e esqueci de adormecer
desde então minha data é 13 de maio
e não me pergunte porque
não ousaria querer mudar o curso
nem a órbita das coisas
elas são como são
e ninguém aprende nada
somos o que somos

estou aqui e não esqueço
o caminho de volta.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

cadentes





















o fogo que rasga o céu
veloz, furioso,
são como as mentiras
se transformando em verdades
em meus olhos
que ardem
brilham
e se apagam.


domingo, 31 de julho de 2011

superfície














impassível insistia em não me sorrir
e vidrado em seus pensamentos
mal percebeu-me
enquanto a madrugada fria
entrava pela porta da sala

e tomava os cantos vazios em nós
quase tudo limpo e em seu devido lugar
com exceção das superfícies lisas e úmidas
e dos olhos famintos se perdem
em meio ao vento

sinta o quanto estou molhada
e deixa a cordialidade para depois
sinta em cada poro meu a falta
que trago de ti

quantos mergulhos ainda
para que enfim esteja submerso
por inteiro, por algum tempo
dentro de mim?

Amnésia por doses de álcool

















(de Wile Ortros & Larissa Marques)

todo dia é um fim
por que então recomeça?
me afasta de ti pra dizer de que me quer outra vez
e depois lança ao ar as palavras injustas
sem cuidado qualquer
e começa do fim onde o fim começou

e se eu nunca menti
não foi pra preservar
as verdades em mim
são paredes da imaginação
mas quem foi que ergueu
este grande defeito entre nós
não fui eu nem você
mas acaso de pura ilusão

vamos comemorar
o princípio e o começo
não se pode negar que viver tem um preço
que é caro pagar
pra aprender abrir mão do que se conquistou

e se deixa ficar
ao meu lado pois sabe quero
manda embora outra vez
e eu vou mas também sei que quer
por loucura ou coragem
amnésia por doses de álcool
foi você que escolheu
sussurrar ao invés de falar

vamos comemorar
o princípio e o começo
não se pode negar que viver tem um preço
que é caro pagar
pra aprender abrir mão do que se conquistou



para ouvir a música clique no link abaixo:
http://soundcloud.com/wileortros/amn-sia-por-doses-de-lcool

quinta-feira, 28 de julho de 2011

acefalia lancinante

o amor híbrido
perdoa-me
as asas


visão turva
desse riste
retirante
vínculo
que insiste
abandonar
ninhos

quarta-feira, 20 de julho de 2011

amado meu



















se as noites frias
apagarem nosso passado
saiba que ainda
há o que queimar

o fogo arde ainda
em meus olhos tardios
que anseiam os seus
tão vencidos

não desisto da falta de lirismo
na verdade a ausência
por vezes me inspira
aqui não perduram
declarações de amor

a insistência vive
apenas para buscar
o que encontramos
quando nos vestimos
de nós mesmos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

quando diz que já



























não te olho como antes
percebe que algo nosso
se perdeu pra sempre
e já não posso mais
resgatar as pedras
do caminho sem volta

ergo-me farta desse
sentimento moribundo
que insiste em ruminar
e ruminar como se tivesse
eu dez estômagos
e não tenho

jaz como era
jaz como eu era
matei meus olhos
com lágrimas e poeira
que deixou quando me
ultrapassou pela estrada de chão
se não te olho como antes
é porque não te vejo mais.


(fotografia de minha autoria)

domingo, 3 de julho de 2011

quantas pedras, Sísifo?












dizem que depois de um dia ruim vem sempre outro bom
ah, utopia, utopia de convencer-se e seguir
de que vale se rasgar por verdades latentes
se são elas que hão de nos matar?

são essas quimeras que fazem ver o real
o mundo bordô ardente sorrir no centro
do lado de dentro de uma garrafa cheia
que agora vazia de conhaque

e ainda teima em afirmar lógica e sobriedade
dentro de cada ponto cego que não se tem
o mundo é cru, lateja e a bebida dissolve
é mais fácil correr que pagar pra ver a dor

o cigarro tem o dom de transformar pulmões
em fumaça tanta que o trago traz
daí se apelida erroneamente de vento
para sentir a liberdade que só é aí

mas veja bem, meu amigo-irmão
meu avô já me dizia que quem
planta vento colhe tempestades
e talvez seja mesmo verdade

e aquela quimera a qual me referia
pode destruir os moinhos
os cavalgares e lendas de Quixote
mas não destrói a realidade, não

e o sonho, aquele sonho de ser livre
é uma retórica incoerente
pra se cair no mesmo lugar de sempre
que eu sei onde é

e alguém vai te fazer ver um dia
que a liberdade depende
única e exclusivamente
do tamanho da corrente.

sábado, 25 de junho de 2011

indubitável


























aprendi que ventos do norte
não movem moinhos
mas não tenho moinhos
tenho lacerações profundas
que nenhuma brisa explicaria

suas palavras já não me convencem
mas seu corpo me conta
o que quero ouvir
mesmo que fútil, mesmo que inútil
é meu

está em minha vida
como quem roda as pás
daquele mesmo monstro
que Quixote cantou

meus pés são seus
minhas raízes já não importam
os olhos são do ar insípido, inodoro
como sua retórica desconexa

e a única certeza que carrego
é que por onde for
independente de companhias
permanece meu.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

inútil




















esse mito outrora rouco explode
colide com a terra vermelha do planalto central
agoniza depois de grave acidente e
jaz encolhido, torto numa cidade satélite

vejo que meu grito foi um eco que o tempo
dispersou e levou para longe de mim
para longe de todos os ouvidos inertes
e que minha retórica minguou, falhou feio

ah, essa rebeldia de mil faces calou aqui
já não lateja impune como antes e ignora
que a estrada é tão longa
que o tempo é tão pouco

percebo que as falas mais agudas silenciaram
recolhidas e reféns de gavetas esquecidas
ou dispersas em livros com páginas amareladas
na frieza de bibliotecas públicas ou particulares

domingo, 19 de junho de 2011

estranho



























nasci para as margens esquerdas
e espero pouco ou quase nada
por conhecer da efemeridade
mas meus pulmões são do vento
e de todo ar que posso prender
num só fôlego

queria poder dizer ao homem que amo
que o desconheço
que não passa de um estranho
um andarilho disperso
entre meus lábios úmidos

queria dizer que não sei tocar essências
e não sou dada à superfícies planas
que sei ir fundo, bem fundo
que mergulho de olhos abertos
e narinas fechadas

ele me possui como santa-ceia
divide-me entre os seus
ali onde sou pão e vinho
em oferenda divina
andor de madeira
com um santo de barro

sexta-feira, 17 de junho de 2011

eunuco



























cerzi a blusa com listras de sonhos perfeitos
bordando nelas o rouco de sua fala
depois do porre
e não me pergunte porque
mas acho que tons carmesins
não combinam com celeste

vejo agora o quanto se vestia mal
e como se jogou no asfalto
feito velhas virgens nada mudas
condenadas à uma sordidez desnuda
por serem tão beatas e não se permitirem doar

costurei o bolso de sua calça jeans
com o esgarço que trazia nos olhos
e arrematei com essa boca que muito dizia
que ria de tudo e calava para mim

enfim se vestiu em almas vazias
quase suas gêmeas
para estender para si a sua própria mão
e fez-se marionete de si para rir das desgraças
e ainda conseguiu escovar os dentes
se olhar no espelho sem chorar

fêmeas as palavras órfãs quebraram
e cobriram-me de riso, carne e vento
do poeta morto

(para meu amigo Wile Ortros)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

crime culposo


























de almas velhas somos feitos
com defeitos costurados
velhas mantas de retalhos
tantos fios tão esgarçados

nada mais que a ilusão da carne
de milênios de procura
antes de sofrer pela ferida
somos atingidos pela culpa

desculpa amor, pela noite mal dormida
pelo frio da graça puída
e remendada pelos cantos
é que não sou perfeita
e ainda dou-me a errar

espero que as janelas entreabertas
e o culto do porvir traga perdão
e antes de nos fazer chorar
ainda que nos faça sorrir


(resposta para o poema: http://wileortros.blogspot.com/2011/06/alma-criminosa.html)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

alado





























intempestivo corta-me
e não há caminho fugidio
como serpente silenciosa
avança no escuro mudo
mesmo que seu canto
chegue ao meu ventre

faz berrar a mudez imposta
o baile de sua língua ao me falar
tal eco de correntes no peito
que dão forma e ritmo ao delírio

é andarilho solto dentro de minhas
profundidades

poucas são as senhas virtuosas
marcadas por labirintos existenciais
apenas a luz dos olhos e a sintonia
puída pelo tempo e o descaso
rogam a inadimplência com o vazio

ah, elevai os acordes para que desperte
o guerreiro vigoroso que ainda dorme
em meu colo tenro e inerte
e que venha imponente
cavalgando palavras agudas
tão obtusas quanto o tempo
que não vivi

e se infante engole a seco
o grito e a fúria como cicatrizes
saiba que aqui ainda ouso
deixar-me corpo baldio
um recanto onde possa pousar

sábado, 28 de maio de 2011

oposto


























marque-me com sua tinta
avulso como se meu fosse
convulso como numa odisséia:
Ilíada

lateja perene entre meus lábios
ventre quase arredio
amado é minha ilha:
Ítaca

escolho o caminho curto
o fluxo paradoxal
de sua artéria:
ilíaca

quinta-feira, 28 de abril de 2011

subsolo



























cada segundo descansa sob
as horas cativas e inertes
fazem-me fórceps e vértice
na intenção de ser

ah, belo desmundo de não-ser
é tão leve e oportuno
quase um endeusamento
do inexistir

sangria doce e mal cheirosa
que vinga a culpa na carne
desonra a palavra e não cala
apenas exala o cheiro do sonho
de não ser

atrevi-me a entrar em teu mundo
que declinou-se no meu
verde e vertido no soco seco
da vasta invenção de ser

segunda-feira, 28 de março de 2011

flor irreversível























o que me tomba são esses olhos
essa passagem turva
que a miopia
teima em ofuscar

nem chegue muito perto, moço
que cá em minha matuteza
só sei do seco e da aspereza
da lamúria de fundo de poço


quem dera assim
cansada da labuta
esperasse livre, que não a luta
e nem causasse tanto desgosto


sou eu mesma,
essa flor irreversível
esse ser indivisível que teima
em preservar-se ileso

quem dera fosse solta de nós
e desprendida de egoísmos
seria calmo meu lirismo
e essa gota de devoção

pare estrangeiro
não te dei o direito
de invadir meu peito
e devassar minha canção

mas que venha sóbrio
de dom e de coração
e que nesse verso
pratique a imensidão.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

























há de ti um canto morno
fala embargada
de quem não se ouviu

é nítido chamado

que no amargor
do ser e do verbo
o palato doce teima
em ser céu.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ilusões de ótica




























as taças da bebida verde
dizem que é fogo
os basculantes avessos
falam em vômitos
os homens juram que é sexo
e as moças sonham que é amor

digo que é fumaça

a bebedeira engana
a náusea repele
a jura mente
os sonhos pervertem
a fumaça disfarça

e na bruma
entre espelhos embaçados
seres descolorados procriam
sorrisos desbotados
dispostos em janelas cinzas
voltadas para mundos de chaminés.